Já li muitas crônicas e poesias inspiradas nas emoções que emanam do espírito de confraternização e solidariedade com que se comemora o nascimento de Jesus, o dia 25 de dezembro da Árvore de Natal, do Presépio, da Missa do Galo, da Ceia em Família, dos presentes e do Papai Noel.
Tudo muito alegre, iluminado e festivo. Jesus cresce constantemente como líder religioso e a data é lembrada no mundo todo, inclusive pelos não cristãos.
Na verdade igrejas têm sofrido redução do seu antigo prestígio, perdido fiéis seguidores ou diminuído a conquista de novos adeptos. E estes raramente seguem a doutrina ensinada pelos sacerdotes.
Essa situação, entretanto, em nada tem atingido o prestígio do maior líder espiritual do mundo, Jesus Cristo, que reina soberano nos corações do povo há mais de dois mil anos.
No meu entender, em relação a Jesus, o Natal nada mudou, apenas cresceu, tornou-se popular e modernizou-se. É a única festa de cunho religioso que congrega todas as religiões e seitas praticadas no Brasil como em diversas outras partes do mundo, o que demonstra que só Jesus pode levar ao ecumenismo universal com que sonhamos.
Para mim, pessoalmente, talvez pelo adiantado da idade, o Natal é uma fonte inesgotável de histórias e de saudades.
Tive colega de república no Rio de Janeiro, na segunda metade da década de 1950, nordestino como eu, natural de Jacobina, Bahia, que certa feita me contou história de amor da juventude com uma conterrânea de quem nunca conseguira se esquecer e de quem nunca mais soubera notícias. Anos depois, em visita à cidade baiana encontrei-me com o velho amigo e companheiro, já aposentado, dono, porém, de pequena agência de turismo que explorava, principalmente, as inúmeras e belas cachoeiras do município.
Como sempre tive boa memória, não obstante já ter decorrido mais de meio século que ouvira dele a história do amor juvenil, perguntei-lhe se já tinha reencontrado a musa da mocidade.
Contou-me, então o seguinte acontecimento: Encontrava-se num supermercado em Salvador, quando se deparou frente a frente com a ex-namorada no meio da multidão que superlotava o estabelecimento, pois era a semana que antecedia ao Natal, cumprimentando-a: Como vai Eunice? De relance apenas respondeu: Como vai Ranulfo? E sumiu no meio da multidão. Ela de tão bonita e nova, reacendeu a velha paixão do meu amigo. Ao retornar a Jacobina, Ranulfo procurou parentes de Eunice, quanto, surpreso e arrepiado de susto, soube que ela havia morrido havia 14 anos (Mal de Alzheimer) e estava sepultada no cemitério local!
Antes desse encontro com Ranulfo em Jacobina eu tinha lido em jornal do Rio de Janeiro um caso bem parecido.
Natanael Limeira Sena tinha sido namorado de Juliana Lins, quando ambos desfrutavam os seus 18 anos de mocidade. Ela queria casar e ele não podia atender aos anseios da moça porque ainda estudava e não tinha como se manter casado. Romperam o namoro em 1956, quando ele resolveu ir para o Rio de Janeiro procurar emprego. Desde essa época afastara-se completamente dos parentes e amigos nordestinos. E em relação a Juliana total esquecimento. Decorrido meio século, no início de 2007, aos 70 anos de idade, a mesma idade que Juliana teria, eis que com ela se encontrou na sala de espera de clínica médica na Tijuca! Trocaram olhares, mas não se falaram. Logo em seguida Natanael foi atendido. Quando saiu do consultório já não a encontrou na sala nem a atendente soube informar o destino dela, apesar de na lista de espera Juliana Lins ser a próxima a ser atendida pela médica escolhida, que também informou não constar de seu arquivo nenhuma paciente com aquele nome, o mesmo ocorrendo em relação ao arquivo geral da clínica!
Ano passado (2010) Natanael esteve em sua terra natal, Campina Grande, na Paraíba, para participar do casamento de sobrinha. O noivo, neto de Juliana Lins, falecida havia quase 13 anos, vítima de acidente de carro ocorrido no dia 25 de dezembro de 1997!
Como se nota, na época do Natal até os mortos aparecem, marcando as emoções de muitos com saudades, remorsos ou tristezas. São raríssimas as pessoas para as quais a Noite de Natal é somente alegria e felicidade, porque a Festa Natalina, ao contrário da Confraternização Universal de Ano Novo, lembra também o passado e toda a sua carga de acontecimentos felizes e dolorosos.
Ah como seria terno e autêntico se o Natal lembrasse apenas o nascimento de Jesus!
Sou daqueles para quem o Natal só traz lembranças agradáveis, doces, com intenso sabor de felicidade. O primeiro presente recebido de Papai Noel, o cachorro Joli, brinquedo que encontrei debaixo da rede ao despertar na manhã do dia 25 de dezembro de 1940! Lá se vão setenta anos e ainda hoje tenho presente em minha felicidade a imagem de Jolí mexendo com as patas e zoando seu rói-rói quando eu o puxava correndo dentro de casa ou na calçada. As patas se mexiam porque eram ligadas as rodas por parafuso. E o rói-rói decorria de roda dentada fixada embaixo do brinquedo, conjugada com as rodas das suas patas, e com que elas circulavam, fazendo vibrar uma mola de metal. Meu Joli fez sucesso. Soube depois, quando descobri a verdadeira história do Papai Noel, que meu pai o adquirira em Campina Grande onde costumava comprar mercadorias para revenda na Casa Vencedora, sua bodega no mercado público de Caicó. Joli foi uma das maiores alegrias dos Natais da minha infância. Ao longo da vida fui dono de vários cachorros e todos eles, bichos de grande estimação, representaram sempre a encarnação emocional da minha infância brincadora, feliz e amimada por meus pais.
Como sinto prazer em recordar todos os Natais da minha infância na Praça da Liberdade, em Caicó, com sorvete caseiro de Mãe Quininha, chocolates e bombons que meu pai trazia da bodega, cavaco chinês, algodão doce, alfenim e doce seco comprados nas barraquinhas de rua. Nunca fui tão feliz com tão pouco.
Depois os estudos, outras terras, metrópoles, empregos, muitos Natais diferentes. De toda parte por onde andei só guardei boas lembranças e muitas histórias, que nunca acabei de contar, porque se confundiram com a felicidade da vida que tenho vivido e com as cores e as músicas das alegrias dos Natais que tenho comemorado ao longo dos anos. E de tudo para que pude contribuir com o meu trabalho nada me enaltece mais do que os Natais da minha terra, quando a Prefeitura iluminou e ornamentou a cidade, montou presépios nas praças, pôs música e alegria nas ruas e felicidade no rosto das crianças nos parques infantis. Os Natais de Caicó dos meus trinta e tantos anos, quando começavam também os Natais dos meu filhos. O Natal do renascimento, que é a projeção dos pais nos filhos que continuam comemorando o nascimento de Jesus, cada um a seu modo.
E agora, quando posso testemunhar os Natais dos netos, sinto a mesma felicidade daquele menino que passava o dia todo brincando com Joli, o cachorrinho de madeira que lhe fora presenteado por Papai Noel.
O Natal com mais de dois mil anos continua a criancinha cujo berço é o coração de todos os homens de bem do mundo. De todas as mulheres dignas, semelhantes a minha mãe. De todos os homens íntegros, semelhantes a meu pai.
Boas Festas!.